sábado, 20 de agosto de 2011

A ESCOLHA DO CARPINTEIRO


A porta rangeu enquanto empurrava para abrir. Com poucos passos Ele atravessou a oficina e abriu a veneziana de madeira para ajustar os raios de luz do sol que penetravam na escuridão.


Ele olhou ao redor na oficina. Ele ficou parado por um momento no aposento que guardava tantas lembranças. Balançou o martelo em sua mão. Passou seus dedos entre os dentes pontudos da serra. Ele veio para despedir-se, veio sentir o cheiro de serragem. Era hora dEle ir embora.  

A vida era calma aqui. A vida era tão... Segura.

Neste chão sujo brincou como uma criança. Aqui José O ensinou como segurar um martelo. E nesta bancada Ele construiu sua primeira cadeira.

Eu fico curioso para saber o que Ele pensou quando deu a última olhada ao aposento. Talvez tenha parado por um momento ao lado da bancada olhando para as pequenas sombras projetadas pela escultura.

Fico curioso para saber se Ele hesitou. Fico curioso para saber se Ele rolou um prego entre seu dedão e seus dedos, antecipando a dor.

Foi na oficina que conceitos e convicções foram entrelaçados para formar a estrutura do Seu ministério.

Você quase pode ver as ferramentas da sua profissão em Suas palavras! Você pode ver a segurança de um prumo quando Ele falava de padrões morais. Você pode ouvir o som da plaina enquanto Ele apelava para  cortar fora as tradições desnecessárias. Você pode imaginá-lo com um lápis e um livro-razão enquanto Ele argumenta a honestidade.

Foi aqui que Suas mãos humanas deram forma à madeira que Suas mãos divinas criaram. E foi aqui que Seu corpo amadureceu enquanto Seu espírito aguardava o momento certo, o dia certo. E agora esse dia chegou.

Deve ter sido difícil ir embora. Apesar de tudo, a vida de um carpinteiro não era má. O negócio era bom. O futuro era brilhante e seu trabalho era agradável.

Em Nazaré, Ele era conhecido como Jesus, o filho de José. Você pode ter certeza que Ele era respeitado Tinha muitos amigos. Podia contar uma boa piada e tinha o costume de encher o ar com uma risada contagiosa.

Fico curioso para saber se Ele queria ficar. Ele poderia fazer um bom trabalho aqui em Nazaré. Estabilizar-se. Criar uma família.

Fico curioso porque sei que Ele já havia lido o último capítulo. Ele sabia que os pés que iriam pisar fora da sombra segura da oficina de carpintaria não iriam descansar até serem perfurados e colocados em uma cruz romana.

Note, Ele não tinha que ir. Ele tinha uma escolha. Poderia ter ficado.. Poderia ter ignorado o chamado ou pelo menos o adiado. E se Ele tivesse escolhido ficar, quem saberia? Quem O teria culpado?

Ele poderia ter voltado como homem em outra época quando a sociedade não fosse tão volátil, quando a religião não fosse tão estragada, quando as pessoas ouvissem melhor.

Ele poderia ter voltado quando as cruzes estivessem fora de moda.

Mas Seu coração não o deixaria. Se houvesse hesitação por parte de Sua humanidade, seria dominada pela compaixão de Sua divindade.

 Sua divindade ouviu as vozes. Sua divindade ouviu os choros dos pobres, as acusações amargas dos desamparados, o desespero daqueles que estão tentando se salvar.

E Sua divindade viu os rostos. Alguns chorando. Alguns escondidos atrás de véus. Alguns obscurecidos pelo medo. Desde o rosto de Adão até o rosto do bebê nascido em algum lugar do mundo enquanto você lê estas palavras, Ele viu todos.

E você pode ter certeza de uma coisa. Entre as vozes que Ele ouviu na oficina, estava a sua voz. Suas orações pronunciadas em travesseiros manchados com lágrimas foram ouvidas antes de serem ditas.

 Suas perguntas mais profundas sobre morte e eternidade foram respondidas antes de serem perguntadas.

Ele viu seu rosto na hora que você soube dEle pela primeira vez. Ele viu seu rosto envergonhado na hora que você caiu pela primeira vez.
O mesmo rosto que olhou de volta para você por esse espelho de manhã olhou para Ele. E foi suficiente para matá-lo.

Ele foi embora por sua causa.

Ele deixou sua segurança. Ele pendurou sua tranquilidade no cabide com seu avental de pregar. Ele fechou as venezianas da janela da sua juventude brilhante e trancou a porta do conforto e da facilidade do anonimato.

Uma vez que Ele podia pagar por seus pecados mais facilmente do que podia suportar pensar em Seu desespero, Ele escolheu ir embora. Não foi fácil.
Deixar a oficina de carpintaria nunca tem sido.

Extraído do livro “Deus chegou mais perto”, escrito por Max Lucado.